Ultimamente tenho presenciado muita discórdia em relação ao ex-Ornato. Eu até percebo não se gostar dele. Agora dizer que é sobrevalorizado....
Biografias à parte, eu acredito que Manuel Cruz é o segundo ou terceiro melhor letrista em Portugal. Com uma diferença para os outros: ele canta as suas letras. Claro que o termo de comparação a lugar de "melhor letrista" na minha cabeça vai para Carlos Tê (eu sei que ele canta mas percebem o que quero dizer). Mas enquanto poeta, a sua gíria e gramática interior e conflituosa é bem distante (quiçá superior) à lírica empírica e imagética de Carlos Tê.
Entretanto, o Sr. Cruz encontrou uma nova maneira, única e até hoje insubstituível de cantar rock sem nunca ter tido aulas de canto. "Isso não faz dele um herói. Muitos cantores de rock não tiveram aulas de canto", já ouvi alguém dizer. Não faz dele herói, não senhor. Quanto à segunda parte da frase, é meia verdade. Muitos cantores de Rock começaram sozinhos com a sua voz. Os que assim continuaram depois de atingir sucesso, já não são tantos. Acreditem que investiguei o mais que pude.
Mas o que interessa mesmo é que fora letras, o ex-ornato é genial pela composição que trouxe ao pop em Portugal. É isso que tento mostrar aos não-crentes. A quantidade de instrumentos (quer musicais ou outros) com que Manuel forma as obras de rock-pop megalómano é exorbitante e peculiar no mínimo. Desde a intimidade extrema até à força esmagadora que Manuel consegue transmitir (muitas vezes na mesma faixa) volátilmente, mostrando domínio sobre estrutura e dinâmica, é claramente um artista a ser destacado. Tanto que muitos outros artistas o fazem.
Este homem percebeu que a arte não precisa de ser inatingível, tampouco comercial, para ser boa. Claro que vimos uma evolução clara desde Ornatos até Foge Foge Bandido. Do rock ao experimentalismo.
Acima de tudo, têm de perceber que não existia nada em Portugal como o rock sintético/orgânico que Ornatos fazia em 1995. O rock que pedia ajuda a sintetizadores e ao quarteto clássico Os Corvos. Agora que já existem os descendentes de Ornatos, não há nada como Foge Foge Bandido.
Vejam como quiserem, este homem é um vanguardista.
20 comentários:
Sim, e o Tim foi vanguardista, e o maluquinho dos Moonspell sem aula alguma foi vanguardista do metal semi-gótico português.
Sejamos sérios. Cruz é importante mas não é um herói por cantar "apenas" aquilo sem aulas.
E é obviamente relevante o seu contributo para o pop nacional mas é cedo para lhe dar medalhas.
mas não é pela voz que é um "herói". Tás a centrar-te na zona errada do discurso. Ele é um visionário musical. Não me digas que o Fernando Ribeiro é vanguardista porque não é. Pioneiro não significa vanguardista.
O que se ouve em Foge Foge não é comum em lugar nenhum do mundo. Não estou a dizer que é único mas que é raro, é.
Quanto ao Tim, a mesma coisa. O punk estava a chegar dos EUA e de Londres e ele foi com a corrente. Pioneiro.
Atenção: não quero tirar mérito aos nomes que aqui foram referidos. Acho que ambos são essenciais na história da música portuguesa...
Teorias e resenhas históricas à parte, a única razão pela qual eu não reconheço grande mérito ao Manel Cruz é que as letras deles não me tocam, não me dizem nada. Mas não me choca que haja muita gente que gosta imenso dele e do que ele escreve e canta e what not. Different strokes for different folks.
Eu é que não sou grande fã de poetas de secretária.
hhahaah eu já estava a pensar: "pronto, é uma opinião e a cada um, a sua"
mas depois!!! fizeste parágrafo! e separado decidiste espingardar!!! agora a luvas saíram!
Quero saber quem consideras melhor que ele a escrever letras em português.
Não vou por essa avenida abaixo.
Não sentir ponta de corno com as lamúrias do Manel Cruz não me obriga a ter de ser fã de alguém da nossa praça.
Eu é mais Obituary, tás a ver? ;)
Chopped in half
Feel the blood spill from your mouth
With rotting ways comes destiny
Feel the soul taking over, bleed!
-- Obituary, "Chopped in Half"
Mas qual Manel Cruz, pá! :P
pronto, descambou...
MCruz é bom poeta-cantor, é verdade. Eu só não gosto é da coisa de "ele coitado nem gosta de concertos mas sacrifica-se por nós" e outras coisas do género.
Se ele é vanguardista, aceito que inovou no estilo e Portugal agradece (ver outras bandas que depois de Ornatos "copiaram" o estilo de voz; há várias).
Mas Ornatos é comercialmente viável, não me digam que é underground obscuro... É pop com potencial comercial e que vendeu e passou na rádio e TV, não é o gajo da garagem a tocar para três fãs.
Não descambou nada...
A questão comigo é só uma. Cheguei a um ponto da minha vida, fruto disto e daquilo que agora não interessa aqui ao caso, em que o que passou a ter verdadeira importância na música para mim deixou de ser a técnica, o aprumo e outras características insípidas que tais. Já lá vai o tempo em que delirava com mil e uma notas por segundo dos Petruccis e afins... não evoluí nem regredi: mudei. Foram parte muito importante da minha vida.
Também gostei - e continuo a gostar, de forma algo diferente - de Radiohead, por exemplo. Muitos concordarão comigo se disser que é o santo graal do urbano-depressivo. Mas essa depressão em si, deixou de me fazer sentido na cabeça. Ask not what this country can do for you, ask what you can do for this country. É um bocado isso.
Perante o estado de coisas a que chegámos e à animalidade com que nos tratamos uns aos outros, o que eu menos quero saber é das amarguras do Manel Cruz. Concedo que seja a maneira dele exprimir o que sente e está no seu pleno direito. Eu é que prefiro oferecer-lhe uma garrafa de Jack do que ir a um concerto dele. Assim como assim até lhe faço um favor, porque parece que ele nem gosta muito disso de dar concertos.
Eu é mais rock & roll, tudo ao molho e toda a gente durante hora e meia a perder os complexos, viver grande camaradagem, todos serem amigos mais que não seja naquele curto espaço de tempo. E percebi que para esse efeito há música que funciona e música que não funciona e percebi essencialmente que para funcionar o músico não pode estar num pedestal qualquer a jorrar a arte com que foi abençoado cá para baixo para os aprendizes que nunca hão-de passar disso mesmo, no que ao "artista" diz respeito. O músico não pode ser mais do que um veículo de algo bem mais importante que ele, que é a sua música. A maior parte esquece-se disso e julga-se o actor principal.
E quando transcrevi a letra dos Obituary fi-lo a brincar, claro, mas também um bocadinho a sério. É que umas das muitas razões que me fizeram passar a gostar de ouvir bandas como Carcass, Obituary, Six Feet Under, Terrorizer, Death, etc.. foi ter-me apercebido que por muito gore e blasfémia porca e má que eles digam, não me conseguem de todo revolver as entranhas como quando vejo qualquer telejornal ou vejo qualquer declaração de um político. It's just not gory enough. :)
Tenho dito!
bem, gostos não se discutem oh doomgoreblackdeathinfanticide-metal ;)
E pedro, concordo com tudo o que tu disseste. Principalmente que ornatos é MUITO viável comercialmente. Mas isso não é mau por si.
E também concordo que a cena dos concertos pode passar um bocadinho por snob...(até eu acho isso)
então já chegámos os dois a um semi-acordo e o paulo não precisa de concordar porque toda gente sabe que ele come cabeças de bode à lua cheia... (isto é, que ouve Terrorizer)
Estou a ver que toda a gente engraçou mesmo com os Terrorizer. Qualquer dia fazemos uma listening party e aproveitamos para elucidar os incautos que Death Metal ≠ Black Metal e que por isso são escusadas as cabeças de bode.. ;)
E seja como for, os Terrorizer grunhiam umas coisas relacionadas com a podridão do nosso dia-a-dia e eram mais grind que outra coisa qualquer.
eu só oiço screamo. e ainda estou para perceber o que é sludge.
Eu, por exemplo, não ouço screamo. É outra depressão moderna que não me diz muito.
"Sludge is the residual, semi-solid material left from industrial, or wastewater treatment processes"
Convertendo a metáfora para música, experimenta o último dos Process of Guilt. Ou EyeHateGod. Ou Melvins. Ou Black Cobra.
O Manel Cruz diria que é o travo amargo da solidão, ou assim. :P
hahaah eu sei o que é literalmente mas em música soa-me igual a tudo o resto (quase)
já agora. Melvins não é sludge...a não ser que tenham cds que eu tenha ouvido.
E screamo não é nada depressivo, antes pelo contrário (ouve Refused)
e já agora eu tb chamo screamo ao meu grande amor: Math/Metalcore ao estilo de Bring Me The Horizon
Eu acho que em todos os estilos há potencial para "soar tudo igual". Só quando aprofundas determinado estilo é que começas a ver as diferenças. É normal.
Em relação aos Melvins, há uma convicção generalizada que não só são Sludge como são inclusivamente os pais do Sludge. Por isso acho que tas way off nessa. Experimenta ouvir o Gluey Porch Treatments, o primeiro deles.
Hei-de checkar esses Refused, thanks for the tip. Em relação a math/metalcore, apesar de eu próprio representar uma banda que se pode enquadrar no género, não sou grande apreciador. Mas percebo bem onde está a virtude e já vi bons concertos do género!
Bom, não tive capacidade para ler todos os comentários até a fim. Tava numa de não ligar, que isto da música cada um gosta do que gosta e tanto melhor assim. mas não consigo evitar uma leve irritação, não porque não gostam do Manuel Cruz, mas pq são sempre os mesmos argumentos arrogantes, sinceramente. Pá, qualquer nome que eu pudesse dizer aqui que adoro, que é um génio, e vocês os dois iam dizer "o quê?? isso? ca porcaria". então se houver um número razoável de pessoas a gostar, é mesmo a morte do artista. só pode não ter interesse. Gostava de saber o que acham que é bom e como definem o conceito de bom...
Concordo a 100% com o Chico: é o melhor letrista português, a par com o Carlos Tê.
Inês, devias mesmo ter lido os comentários todos. É que assim ficaste a pensar que andámos a dizer que o Manel Cruz é uma "porcaria" e que tivemos argumentos arrogantes e isso não é verdade.
Além do mais, ninguém tentou definir o que é "bom", apenas o que produz e o que não produz respostas em cada um de nós...
Bora lá não ficar intimidados com o fogo de artifício e perceber o que cada um está realmente a dizer.
i chegou aqui a abrir fogo sobre os que disseram a) não gostar de MC b) não concordar com tanto valor dado ao MC sem no entanto desgostar de Ornatos.
e esqueceu-se de ler os comentários que afinal não são arrogantes nem partem de "se é gostável então não gostamos".
tá mal... é ler que fica a inocência provada para cada um dos argumentos, que de resto são diferentes no Prla e e no Eno
clap clap clap, chico! eu concordo
clap clap clap, chico! eu concordo
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