Partimos da citação do conceituado neurologista Português António Damásio, descaradamente roubada do Juramento Sem Bandeira:
«E há outro problema mais grave, para onde o nosso trabalho se está a dirigir. É um problema que tem a ver com a diferença de velocidades do nosso cérebro cognitivo e do nosso cérebro emocional. O cérebro emocional é um cérebro lento. Vem de há milhões de anos. É um cérebro que tem certas características de sistema neuronal, de mediador de estímulos, e que funciona numa escala relativamente lenta. É uma escala de segundos a, por vezes, minutos. O cérebro cognitivo funciona numa escala de centenas de milisegundos. Muito, muito rápido. Portanto, é perfeitamente possível para nós aprendermos muito rapidamente uma quantidade de factos, recolhermos uma quantidade de imagens e lembrarmo-nos delas, manipularmos essas imagens de uma forma inteligente. E, ao mesmo tempo, as emoções que deviam ser disparadas em relação a certos factos, em relação a certos acontecimentos, não conseguem ser disparadas porque não há tempo. Portanto, estamos a fazer uma separação, um divórcio completo entre estes dois cérebros, e isso, sim, isso pode ser muito perigoso.»
E que relevância tem isto para um espaço como o 24Hz? Para mim, coloca em perspectiva a forma como ouço música, vejo filmes, leio livros e em geral como apreendo qualquer tipo de manifestação cultural, por ínfima que seja, no meu quotidiano. E a fazer fé nas palavras do Professor Damásio, não chego a mais do que à constatação que vivemos absolutamente afogados num mar de muita quantidade e pouca qualidade, onde nem sobra tempo para apreciar realmente seja o que for.
Num tempo em que se continua a falar de novas tecnologias que ameaçam ser novas para sempre, é claro para todos que as distâncias foram radicalmente encurtadas, o que se tem revelado ser um "pau de dois bicos". É bom pois permite, por um lado, a democratização real da cultura em que toda a gente pode, com relativa facilidade, fazer ouvir a sua voz. É mau pela mesmíssima razão e apenas porque a capacidade de separar o trigo do joio começa a ser uma arte perdida.
Quero com isto dizer que não há menos trigo do que antigamente. A mentalidade do "dantes é que era" é ridícula e quem a defende definitivamente parou no tempo ou está demasiado amargurado com a vida - e todos sabemos, pelo menos quem não anda cá a dormir, que a vida está propícia a amarguras. O que há, na minha opinião, é mais joio, inevitável tendo em conta a facilidade que o YouTube, MySpace, ProTools e Cubase e outras coisas que tais vieram trazer. Qualquer um pode pegar numa guitarra, ouvir meia dúzia de bandas que diz venerar, aprender três acordes, ter um par de discos rígidos com a discografia de centenas de bandas - 95% dos quais ainda não teve sequer tempo de ouvir - e rapidamente se torna mais um a ajudar ao acumular de entulho sonoro. Estes seriam os que não subiam à tona de água sem o advento da tecnologia e das redes sociais e se me perguntarem, não se perdia nada. É sufocante constatar a quantidade irreal de bandas que se limitam a emular - mal - o som dos seus ídolos.
Como já disse, não sou do grupo do "dantes é que era", do partido da nostalgia. Mas entristece-me viver num mundo que acelerou de tal forma que nem nos deixa tempo para realmente assimilar emocionalmente aquilo que vivemos. Fast food fucking generation. Onde é que isto vai parar?
1 comentário:
É verdade. Irritam-me os comentários do género "mas tu ainda não viste este filme ou ouviste aquela banda?" Porque é que temos de devorar a cultura vorazmente? Tudo a seu tempo.
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