segunda-feira, 30 de março de 2009

Livros: Gone, Baby, Gone (1998)

O desaparecimento de Madeleine McCann há quase dois anos fez com que muito boa gente só agora se apercebesse que há crianças a desaparecer todos os dias, na maioria dos casos sem deixar rasto. O circo mediático que se estabeleceu trouxe coisas boas e más. Muita barbaridade se disse, muito oportunismo houve, muito mal continua a cheirar toda a estória. Mas também permitiu reavivar casos de outros desaparecimentos, há muito esquecidos da opinião pública.

Porém, nunca esquecidos de um pai ou de uma mãe. A morte de alguém que nos é querido, por muito dolorosa que seja, é sempre um ponto final bem definido. O desaparecimento de alguém deixa apenas um vazio e muitas reticências, quase sempre uma esperança que por ténue que seja mantém-se irrevogavelmente acesa. Quem teve a felicidade de nunca passar por semelhante situação apenas pode imaginar o drama. A realidade é, decerto, infinitamente pior e mais desgastante.

Dennis Lehane escreveu uma obra de ficção quase dez anos antes que infelizmente parece agora, em boa parte, uma premonição daquilo que se passou com Madeleine McCann em 2007. "Gone, Baby, Gone" retrata a estória do desaparecimento de Amanda McCready, de 4 anos, e a trama à volta disso que envolve polícias, traficantes de droga, assassinos, pederastas, pedófilos e detectives por conta própria. You name it.

Autor do genial Mystic River, Lehane é mais um daqueles escritores americanos que parece ter tanta facilidade em escrever page turners como o leitor tem facilidade a lê-los. A prosa escorre com uma rapidez alucinante e, especialmente no caso de "Gone, Baby, Gone", são tantos os twists no argumento que ao chegar finalmente ao fim do livro dei por mim a admirar o génio deste norte-americano de 43 anos. Digamos um Dan Brown com perspectiva moral e social, mas sem as façanhas irreais, pouco plausíveis e hollywoodescas dos seus heróis. E muito, mas muito melhor.

A genialidade de que falo tem razões bem específicas. Ao longo das 512 páginas, desfilam personagens extremamente bem modeladas e cativantes; inúmeras "cenas" magistrais onde o ambiente é descrito de tal forma que nos sentimos "lá" e que são invariavelmente pautadas por diálogos magistrais; curvas e contra-curvas que nos deixam sempre na dúvida acerca do que realmente aconteceu; mostra-nos de uma forma chocante - mas não sensacionalista - o drama que é o rapto de crianças pelos mais variados e hediondos motivos; e sobretudo coloca-nos perante um enorme dilema moral que se vai adensando ao longo da estória e que rebenta completamente no seu final.

Os melhores livros são definitivamente aqueles que nos deixam a pensar neles bem depois de os termos terminado. "Gone, Baby, Gone" é um deles.

O filme do mesmo nome, pela mão do estreante realizador Ben Affleck, é na minha opinião uma pobre amostra da riqueza que é a novela de Lehane. Talvez se o tivesse visto sem ter lido o livro pudesse partilhar a opinião de uma crítica mundial muitíssimo favorável.

2 comentários:

Fátima disse...

Bem! Fiquei mesmo com vontade de ler o livro depois desta crítica.

prla1983 disse...

Omiti propositadamente quaisquer referências a personagens específicas da estória. É que acho que este é daqueles que vale a pena entrar a frio.