Entrei na sala sem grandes expectativas: esperava não mais do que um "Mighty Heart" passado nos anos 20. Saí da sala com algo que não esperava: "A Troca" é dos melhores filmes que vi em largos meses.
O filme destaca-se por vários motivos, que em conjunto fazem dele uma grande abertura para 2009. Clint Eastwood prova não só que está muito bem atrás das câmaras como também convence os mais cépticos (nunca me rendi totalmente ao Eastwood actor) de que tem muito para dar ao cinema.
Angelina Jolie está perfeita no papel que desempenha. A tendência para comparar esta Angelina com a de "Mighty Heart" (pessoas desaparecidas, mulher desesperada à procura, etc) é óbvia mas esta personagem, a meu ver tem lago mais. O desespero e raiva são mais contidos (aquelas palavras que quase não chegam a ser ditas na primeira chamada telefónica para a polícia são exemplo) mas a luta ultrapassa a mera busca por um ente querido. A luta de Christine é uma luta contra uma sociedade que embora esteja já no século XX funciona ainda como no século XIX. A luta de Christine Collins é ao mesmo tempo uma luta contra estereótipos, contra o protectorado hipócrita e paternalista que subjugava as mulheres (e que em muitos casos continua, mas isso é tema para outro post...), contra o poder desmedido, banhado em currupção e tráfico de influências (da polícia e do poder político), contra o desprezo para com as crianças, contra o tratamento dos menores como sendo adultos pequeninos, contra uma sociedade à beira de colapsar e renascer (com a crise de 1929 e a Guerra Mundial).
O facto de esta história se basear num caso real dá ainda mais força ao filme história. Como nos diz a PREMIERE & DVD de Janeiro: o peso do real choca o espectador porque tira a armadura de "isto é filme" que envolve grande parte das tragédias que vemos a 24hz no grande ecrã. Desprotegido, o espectador sente directamente o peso das emoções, a textura dos personagens, a densidade do enredo. É nestas alturas que um filme representado por actores pode provocar mais compaixão, mais reflexão, maior "dor de mundo" do que um telejornal, cuja imagem é "mais real", tirada dos factos.
[os parágrafos que se seguem, marcados a cor diferente, podem conter spoilers incómodos:]
E é por isto que quando o miúdo conta ao polícia que participou na morte de 20 crianças ficamos simplesmente vidrados numa tela branca. A pergunta (que fica sem resposta) é "porquê!?". Nesta altura o filme vira-se do avesso, todas emoções submersas emergem. (é também nesta altura que a Lusomundo mete o intervalo... tirando ao espectador a experiência que foi pensada e executada na mesa de montagem).
De qualquer das formas a actuação do míudo que desvenda os crimes na quinta canadiana é soberba, das melhores actuações de crianças que eu já vi no cinema (e eu até nem gosto de actuações de crianças). A montagem acentua a tensão num triângulo rapaz-detective-memórias.
De resto, em geral o filme apresenta uma montagem interessante, com lapsos temporais inteligentes (alguém marca número no telefone, no plano seguinte o telefone é pousado do outro lado - a conversa fica perdida no tempo próprio do filme mas não faz falta à história - um "faça você mesmo" interessante). Notei alguma falta de cuidado na montagem física (os cortes entre planos e algumas partes do som) que será certamente resolvida na edição de DVD.
Os cenários e o mis em scéne são muito cuidados, perto da perfeição. Além dos Thin Lizzy que enchem as ruas de Los Angeles há uma série de objectos, espaços e situações cuidadosamente retratados (de salientar a importância da rádio nos EUA dos anos 20 e a paranóia da catalogação das doenças e desvios mentais - curiosamente o criminoso não recebe nenhuma categoria).
Reparei que o filme tinha uma cor própria que se consegue não pelo uso de técnicas de edição especiais, não pelo uso de uma película específica mas pelos cenários, roupas, etc. Um táxi amarelo salta à vista nos tons suaves de castanhos, verdes, creme, etc. A cor e o ambiente ajudam imenso à imersão no já longínquo mundo da América às portas da crise. Acredito que a cor deste filme possa vir a ser um pormenor desprezado por muitos mas marcou-me bastante.
É sempre difícil usar termos como obra-prima, genialidade ou perfeição mas a verdade é que não notei a falta de nada nesta produção. Simples na aparência, tem grande complexidade e textura ao nível do psicológico e do social. Simples na edição, conta uma história de forma densa mas não exageradamente dramática. Simples nas tonalidades e cores, mostra uma grande confusão de gente, automóveis, máquinas. A central de telefones é como um micro-cosmos, uma maqueta da ruas confusas e entupidas... oops, análises psicológicas ficam para depois que esta conversa já vai longa.
Veredicto: 9/10
6 comentários:
bem, eu gostei do filme, mas não taaanto assim. e acho que a angelina não está assim tão perfeita para o papel. mãe solteira nos anos 20, demasiado bonita, bem vestida, bem arranjada, elegante, perfeita. achei.
Pronto, pronto, será muito provavelmente no próximo fim de semana que sentarei o rabo numa qualquer sala de cinema para ver mais uma obra de arte do mestre Eastwood.
E ansioso também pelo Gran Torino!
(mas com uma óptima interpretação)
não dava muito pela angelina jolie... soube que não foi a primeira escolha de clint, mas não consegui encontrar quem foi a primeira... alguém sabe? já tenho o filme e tenho de o ver esta semana, a julgar pelas boas críticas que tem recebido e por este forte post!
pronto, já vi! finalmente! e sim, está muito bom. mas não é a melhor interpretação que já vi de uma criança...
acontece que eu fujo de ciranças a cantar ou a representar...
por isso não devo ter visto muitas interpretações de crianças.
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