Realizado Por: Woody Allen
Com: Javier Bardem, Penélope Cruz, Scarlett Johansson, Rebecca Hall
IMDb
Nos meus tempos de baterista de rock and roll quando havia mais do que uma banda no mesmo concerto, se uma das bandas tocasse primeiro o Enter Sandman ou o Fear of the Dark, a banda que vinha depois já não repetia músicas. Uma regra invisível, escrita em pó e areia mas que era cumprida pela maior parte das bandas de bom senso.
O Paulo já tinha aqui escrito sobre o Vicky Cristina Barcelona mas eu não posso deixar de falar sobre este filme americano filmado aqui ao lado. Começando pela cidade, que eu ainda não visitei: é sabido que Allen queria incluir Barcelona como personagem no filme, que ela tivesse a sua marca e presença. Eu achei que a cidade estava ominpresente, de facto, mas como cenário. Eram prédios e pinturas, ruas e mercados, espaços bonitos mas que sem a verdadeira alma da cidade (esta ou outra qualquer) são como cenários de cartão. Vemos o aspecto de Barcelona mas não chegamos a ver a vida em Barcelona. Não é como a Roma de Ladrões de bicicletas ou a Tóquio de Cão danado, que a todo o momento vivem e espreitam, chocam com os personagens ao longo da acção.
Aqui a única parte de Barcelona que choca com os personagens é o pintor espanhol, Juan. A cidade como fundo, o pintor como elo de ligação. E o vinho, o maldito e omnipresente vinho! A presença contínua de copos de vinho irrita-me quase tanto como o pintor espanhol. Na primeira meia hora este homem asqueroso irrita-me, no resto do filme vai-se redimindo mas nunca chega a convencer (nota: a representação é notável, quase sem falhas). O problema não é tanto o personagem, que está bem retratado. O problema é a existência real de pessoas assim. A minha colega Rita confirma que em Barcelona há muitos destes personagens (ela viveu lá uns meses, trabalhando para o estúdio do Sr. Mariscal) e acha também que a verdadeira Barcelona é mais do que aspecto, há uma vida própria que podia ser captada e não foi.
No fim o que mais me afasta do filme é o realismo, ou melhor, a plausibilidade dos sentimentos, pessoas e acontecimentos. Perturba-me o facto de tudo aquilo poder acontecer (e acontece de facto) a toda a hora em todo o mundo (claro que nem sempre será condensado num quinteto amoroso como o que vemos aqui). E é por ter uma amiga Cristina, amigos e amigas Vicky, conhecidos Maria, e saber que existem Juan por aí que este filme não me consegue agarrar tão bem como devia.
Reconheço que o defeito não está no filme, todo ele bem executado. Mas há ali uma veracidade tal que o filme não é credível para mim, é demasiado "normal". O cinema de ficção é para mim o espaço do real imaginado, do sonho, do improvável. Um filme em que cada personagem, cada acção e cada sentimento podem de facto existir não me cativa.
Mas aí entra de forma subtil o génio de Allen. O filme acaba onde começa, no aeroporto, completanto um círculo que lembra Janela indiscreta. América - Barcelona - América. É como se tudo não passasse de um sonho numa noite de verão (neste caso um mês): em sonhos damos a volta ao mundo e conhecemos pessoas fantásticas; de manhã acordamos onde nos deitámos.
E é assim que 5 minuto depois de acabar o filme até fiquei a gostar.
Dou uma nota muito positiva à banda sonora, repetitiva o suficiente para ajudar ao cómico. O lado cómico é todo ele muito subtil, o que torna interessante e mais real (outra vez o real). A câmara é dinâmica, estilo europeu - se há traveling faz-se com steady cam, nada de carris; se há plano fixo a câmara não está no tripé, etc... Isto ajuda a dar o toque europeu ao filme, como se não bastasse já todos os cenários, ambientes, referências, amores exagerados, etc. (gostei quando o espanhol diz "é como se faltasse o sal" e a americana fica espantada "sal!?" - talvez uma referência à guardadora de patos do dramaturgo inglês.
Veredicto: 7/10
Post Scriptum - apaguei este 7, escrevi 6; queria escrever 6.5 mas não uso meios pontos; escrevi 7; depois 6 outra vez; e no fim fica assim porque não há assim tanta coisa que falte no filme. Sal? Não fosse a maluca da espanhola (grande interpretação de Penélope) e podia faltar sal ao filme.
4 comentários:
Eu até gostei deste filme.
Tenho o mesmo problema: Barcelona não está na equação. é como dizes, Barcelona não é um personagem mas um espectador.
Ah também não gostei do fim do filme. Esse ciclo dá um tom de inutilidade à saga de auto descoberta/negação das raparigas.
podes ver o fim como uma negação / anular da aventura
ou
como o fim de uma caminhada, voltam diferentes para casa
Eu aposto mais em b) como o fim de uma caminhada, voltam diferentes para casa. Há sempre algo interessante no passar incólume - ou quase - por uma experiência potencialmente destrutiva. Mas será que a Vicky foi feliz com o marido forevah and evah?
Em todo o caso, eu vejo o "Vicky Cristina Barcelona" como um filme divertido e inconsequente. It's just mindless fun, ya know?
é interessante pensar se a personagem de Bardem é mesmo sincera ou hipocrita.
gostei do filme, não é uma revelação, mas nunca perdi o interesse. e gostei muitissimo da penelope cruz.
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